A importância de fazer uma revisão de carreira

Para manter sua saúde profissional em dia e seus desejos pessoais alinhados à realidade no trabalho, é necessário fazer periodicamente um check-up de carreira

Por Mariana Poli

Karin Amorim, engenheira de alimentos na Camil, no Rio de Janeiro: reflexão da carreira ajudou a se recolocar rapidamente no mercado de trabalho | <i>Crédito: Cadu Pilotto
Karin Amorim, engenheira de alimentos na Camil, no Rio de Janeiro: reflexão da carreira ajudou a se recolocar rapidamente no mercado de trabalho | Crédito: Cadu Pilotto
Você vai ao médico uma vez ao ano, ou deixa para correr ao hospital quando algum problema aparece? Vai ao dentista com frequência, ou espera a dor de dente chegar? Por mais que a gente saiba que o melhor é prevenir, muitos de nós só tomamos uma atitude ao levar um susto. E esse raciocínio é o mesmo para nossa carreira. Correndo contra o tempo para bater metas e cumprir tarefas do dia a dia, ligamos o piloto automático e trabalhamos sem fazer uma autoavaliação, checar nosso desempenho e pensar sobre o que queremos do futuro. Por isso, é comum que pensemos sobre o assunto apenas depois de um baque, como a demissão. Mas esperar para fazer o check-up profissional como uma medida de emergência é uma atitude perigosa. O ideal é pensar sobre o assunto com frequência para não ser surpreendido nem perder oportunidades.
É justamente para isso que serve o check-up de carreira. A ferramenta tem ganhado a atenção de funcionários que querem rever seus planos e avaliar como andam suas competências, seja para manter o emprego, seja para se recolocar no mercado. “O check-up previdente ajuda a enfrentar transições e a se dar bem em períodos de instabilidade”, diz José Augusto Minarelli, diretor executivo da Lens & Minarelli, consultoria de transição de carreira, de São Paulo. A ideia é que o profissional examine seu desempenho e, uma vez detectados problemas, crie um plano de ação para corrigi-los, aprimorando o que for necessário. Como resultado, ele reduz as chances de desligamento e aumenta a própria empregabilidade.
Claro que, em muitos casos, é necessário usar o check-up como remédio para resolver situações críticas. Esse foi o caso da engenheira de alimentos Karin Amorim, de 32 anos, que revisou sua carreira depois de ter sido demitida ao voltar da licença-maternidade. A profissional encarou, ao lado de uma empresa especializada, algumas etapas-chave do processo, que incluíram conversas para traçar um plano de ação, atualização curricular e até uma simulação de entrevista de emprego, na qual parou para refletir sobre pontos fortes e pontos fracos. “Consegui traçar metas e ter uma visão macro do que realmente desejo para mim”, diz.
Ela também percebeu que precisava desenferrujar o inglês – hoje no nível intermediário por falta de prática – e investir em especializações na área de qualidade, bastante promissora no seu segmento de atuação. Um mês depois, a engenheira fez uma entrevista na Camil, empresa do ramo alimentício, e conquistou uma vaga de supervisora. “Meu plano para os próximos sete anos é crescer. Sinto que a companhia está na contramão da crise e que aqui tenho possibilidade de aprender e me capacitar”, afirma Karin.
Faça você mesmo
 
Contar com o auxílio de uma consultoria especializada ajuda, mas é possível fazer essa reflexão sem contratar ninguém. O importante é estar preparado para olhar de frente os próprios fantasmas e desarmado para encarar um diagnóstico ruim. É preciso se livrar do que Sergio Chnee, coach de São Paulo, batizou de “Síndrome de Gabriela”. Ou seja, não cair na cilada de que nasceu assim, cresceu assim e será sempre assim – em referência à música que eternizou a personagem de Jorge Amado. “Se a pessoa tiver essa mentalidade, o check-up não vai funcionar”, diz Sergio, que lançará, em outubro, o livro Check-up de Carreira (Évora). Ou seja, para que o processo dê certo, é necessário se desapegar do passado. “A experiência de ontem não vai abrir portas hoje se não houver planejamento.”
Para desenhar o futuro da sua carreira, o primeiro passo é estruturar um plano de longo prazo que esteja alinhado aos seus interesses pessoais e profissionais. Vale pensar, por exemplo, no que motiva (ou motivaria) você a ir trabalhar todos os dias, no que acaba com o seu entusiasmo e de que tipo de empresa (ou negócio) você se vê fazendo parte.
“A ferramenta de check-up é extraordinária quando há um projeto para o futuro”, diz João Baptista Brandão, professor da Fundação Getulio Vargas, especialista em liderança e gestão de pessoas, de São Paulo. Afinal, apenas quem sabe aonde quer chegar é capaz de avaliar se está subindo os degraus certos e com a velocidade desejada, o que falta para chegar lá e o que ainda precisa ser aprimorado. Quem está ao léu, sem propósito algum, dificilmente será o protagonista da própria carreira.
Com esse projeto já em mãos, investigue o segmento que mais atrai seu interesse. O que os melhores profissionais da área têm? Quais são as competências mais valorizadas? Como é a cultura das empresas em que você quer trabalhar? O que é preciso fazer para trabalhar suas limitações? Hoje, não é difícil encontrar essas informações. “Há cursos online em universidades renomadas, blogs de especialistas com ótimas referências, redes sociais e sites de empresas cheios de informações”, diz José Augusto Minarelli.
Contatos selecionados
 
Faz parte desse processo de revisão de carreira, também, eleger pessoas interessantes como mentoras. Para selecioná-las, pense nos três especialistas que você mais admira e respeita. “Quando questiono meus clientes sobre isso, eles dizem: “Fulano, beltrano e sicrano. Todos inacessíveis”. E eu pergunto: são inacessíveis mesmo? Já tentou contato com eles?”, diz Sergio. Segundo o coach, muitos dos mestres estão ávidos por dar conselhos e gostam de ser procurados por gente jovem interessada em desenvolver sua trajetória. “Eu tive um cliente, por exemplo, que estava iniciando um projeto na área de educação e decidiu ir atrás de um dos papas da área. É um senhor de 80 anos, totalmente aberto, que está achando divertidíssimo compartilhar seu conhecimento com um jovem cheio de vontade. Muita gente perde esse tipo de oportunidade por medo de tentar”, diz Sergio.
Essa, aliás, é uma boa maneira de aumentar sua rede de contatos. Eles serão essenciais no momento em que estiver examinando a carreira, pois é com as pessoas que você conhece – e confiam no seu trabalho – que poderá conversar sobre aspirações, dividir dúvidas, pedir conselhos e, claro, conhecer outros profissionais que podem ser importantes para ajudá-lo em uma possível mudança de rumo. “Se você cultivar dez bons contatos, na verdade sua rede será de cem, porque cada um deles multiplicará suas possibilidades”, diz João.
Plano de ação
 
É importante ressaltar ainda que o check-up só dá certo quando resulta em um plano de ação estruturado. É necessário registrar os pontos mais relevantes da revisão, como o objetivo final a ser alcançado, o prazo para chegar até a meta, as competências a serem aprimoradas e o que fazer para conquistá-las. E, para que o trajeto fique mais claro, anote as suas intenções. “Na cabeça, as ideias se perdem. No papel, é possível consultar metas e promover ajustes quando preciso”, afirma João.
Ao formalizar quais passos devem ser dados para conquistar aquilo que se deseja, o profissional consegue perceber no que exatamente precisa investir – como um curso específico ou uma mudança de cidade. Por isso, quem está com a conta bancária em ordem e possui reservas tem mais margem de manobra e se sente mais seguro na hora de colocar seu plano em prática. “Sugiro guardar no mínimo 10% do que se ganha. Quem não tem um fundo para contingências fica numa situação muito difícil nos meses de transição”, diz José Augusto. Se poupar o salário for muito difícil, poupe o dinheiro extra. “Guarde parte do décimo terceiro, do bônus, das férias”, diz o professor da FGV.
A organização financeira se mostrou fundamental para que o administrador Roberto Caldeira, de 52 anos, mudasse totalmente de rumo. Diretor de novos negócios na agência de viagens Prime Tour, ele resolveu deixar o cargo para tocar o próprio negócio. “Sempre quis ser empresário, mas obtive sucesso na profissão, casei, tive filhos e acabei deixando esse projeto para trás”, diz Roberto.
Mas, depois de fazer uma nova leitura de seus objetivos, percebeu que era hora de retomar o desejo antigo e se tornar sócio de uma operadora de turismo menor, a Auroraeco. Ter uma situação financeira estável ajudou na decisão. Além de ter feito uma reserva ao longo dos anos, Roberto abriu uma franquia com a mulher, investimento relativamente seguro que o ajudou a fazer um test-drive como empreendedor. “A franquia está indo bem e tem ajudado neste período de transição em que meu fixo caiu pela metade. Sei que estou pagando um pedágio para estar onde quero daqui a cinco, dez anos”, afirma Roberto. Quando a mudança é necessária – e faz sentido internamente – os pedágios são apenas pequenas pedras no caminho em direção à satisfação profissional.
Check-up passo a passo*
 
As questões abaixo, se respondidas com sinceridade, vão ajudar você a pensar sobre seus objetivos de longo prazo e a criar um plano de ação para a sua carreira. Procure registrar as respostas na agenda, no computador ou no celular, tanto faz.
Etapa 1: Interesses e objetivos
a) Se eu tivesse oportunidade, trocaria de profissão ou de ocupação?
b) O que eu gostaria de fazer? Por quê?
c) Qual é meu sonho profissional? O que falta para chegar lá?
 
Plano de ação: avaliar o grau de satisfação com o trabalho e criar um projeto de médio ou longo prazo. Por exemplo: “Quero ser diretor da empresa em que trabalho; meu objetivo é ir para a atividade acadêmica…”. Crie metas alinhadas à sua vocação e elenque o que terá de fazer para atingi-las.
Etapa 2: Performance profissional
a) Em que sou realmente bom?
b) Propus inovações ou contribuí significativamente na minha empresa?
c) Posso desempenhar outra função?
Plano de ação: você precisa diagnosticar tendências no mercado (quais são as competências técnicas e comportamentais mais desejadas na sua área) e planejar sua atualização profissional. Deve elevar ainda seu nível de cultura geral, conhecer novos recursos tecnológicos e diversificar fontes de acesso à informação.
Etapa 3: Vida financeira
a) Tenho reserva financeira de contingência?
b) Se perder o emprego, quantos meses eu conseguiria viver só de minhas economias?
c) Há renda extra? Qual é o valor dela?
 
Plano de ação: o primeiro passo é mapear receitas, cortar gastos e passar a poupar no mínimo 10% dos rendimentos para emergências. Pesquisar e fazer investimentos produtivos faz parte do pacote, assim como buscar atividade extra remunerada, que não o sobrecarregue. Mas crie um plano B.
Etapa 4: Networking
a) Minha rede de contatos é ampla?
b) De que maneira cultivo relacionamentos? Visito, telefono, escrevo?
c) Registro e organizo os meus contatos e encontros?
 
Plano de ação: aqui, é muito importante revisar e aprender procedimentos de networking. Resgate cartões e e-mails e registre seus relacionamentos, particularmente os mais interessantes. Tenha como meta reservar alguns minutos do dia para conversar de maneira descontraída com as pessoas.
*Fonte: José Augusto Minarelli, diretor executivo da Lens & Minarelli
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A Loupe Consultoria em RH é uma consultoria em Recursos Humanos especializada na busca de candidatos em middle management, em todo o território Nacional.

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