É possível grandes corporações terem a agilidade das startups?
A busca por essa resposta foi o tema do primeiro Café com VOCÊ RH do ano, em São Paulo
Tatiana Sendin (à esq.), de VOCÊ RH; Vicente Ferreira, do Instituto Coppead; Mirella Ugolini, da Votorantim; e Fernanda Pires, da EDP (Flávio Santana/VOCÊ RH)
A carona é tão antiga quanto a invenção do carro, mas a Uber só foi criada em 2009, chegou ao Brasil em 2014 e chacoalhou o mercado de táxis que reinava absoluto. Da mesma forma, hospedar alguém em casa é algo que existe desde os tempos em que foram criadas as primeiras casas, mas a Airbnb só nasceu em 2008, atracou no país em 2012 e arrastou o mercado hoteleiro. Essas inovações surgiram e se espalharam pelo mundo em menos de uma década — e já são, elas próprias, alvo de outras novidades que podem perfeitamente destruí-las.
No complexo industrial Votorantim, dez vezes mais velho do que a Uber e a Airbnb, a transformação digital, também conhecida como “o pesadelo dos executivos”, é tratada, debatida e destrinchada há dois anos. “Identificamos que muitos de nossos negócios correm o risco de ser substituídos por outros, e essa ameaça pode vir de uma startup com dez pessoas que tenham a capacidade de descobrir um substituto excelente para o cimento”, diz Mirella Ugolini, gerente corporativa de desenvolvimento organizacional da companhia, durante o primeiro Café com VOCÊ RH de 2017, ciclo de debates destinado aos líderes de recursos humanos que é promovido há uma década pela revista VOCÊ RH.
A discussão, realizada em maio em São Paulo, girou em torno da preparação das empresas para essa transformação digital. Algumas corporações, por exemplo, estão comprando startups ou criando incubadoras para esses pequenos negócios — o que parece ser o caminho mais rápido para a inovação. “O sucesso mata”, decreta Vicente Ferreira, professor e diretor no Instituto Coppead de administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Quando você está em uma organização que tem sucesso, por que fazer diferente? As mesmas pessoas terão sempre as mesmas ideias. Dessa forma, trazer a inovação de fora pode ser, sim, um atalho, desde que exista uma cultura para essa novidade florescer”.
Mudar a cultura e a mentalidade dos líderes é justamente o maior desafio dentro da concessionária de energia e distribuição EDP. “É uma empresa regulada, que passou por um processo de privatização, que tinha uma gestão de comando e controle. Ainda se ouve de gerentes de áreas que ‘não há que se falar em disrupção aqui’ ”, afirma a diretora de recursos humanos Fernanda Pires.
A forma encontrada por ela para modernizar o jeito de ser da EDP foi a construção de propósitos e de grupos sem hierarquia, algo que começou em 2014, além da aproximação com empreendedores por meio da criação de programas de aceleração. “É um mundo diferente. E estar perto desse ambiente e utilizar seu desenho organizacional tem sido um dos caminhos que estamos testando”, afirma Fernanda.
A Votorantim (que vende de cimento a suco de laranja) seguiu igual caminho de aceleração de startup e revisão de cultura. “A chave da inovação está nas pessoas. Quem cria é o indivíduo, não a empresa ou a startup. O segredo está na parceria e na colaboração. Temos de pensar em como uma startup pode ajudar, em como uma universidade pode ajudar e em como a empresa pode ajudar esse ecossistema também”, diz Mirella.
O desafio da transformação cultural existe mesmo para as companhias de tecnologia IBM e SAP. Na primeira, com 105 anos e 370 000 profissionais espalhados por 170 países, o foco está em empoderar as pessoas. “Porque você não consegue incentivar a inovação em uma empresa super-hierárquica, na qual os funcionários sentem que sua opinião não vale”, diz Luciana Camargo, vice-presidente de RH da IBM para a América Latina.
Já na segunda o foco é a visão. “Temos de perder o medo da automação e começar a olhar as oportunidades”, diz Paula Jacomo, diretora de recursos humanos da SAP para a América Latina.
Investir na multiplicidade também é um caminho para trazer novos pensamentos. “A inovação não tem cargo nem sexo e pode vir de qualquer lugar. Então, faz todo o sentido trabalharmos a diversidade como parte do processo de transformação”, afirma Mirella, da Votorantim.
A organização acredita ter uma estratégia certeira para se adequar à alteração digital. Mas será que isso é suficiente? “Essa é a pergunta de 1 bilhão de dólares”, responde o professor Vicente. Aparentemente, ainda há muito para discutir.
Fonte: Exame
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