Os conselhos de administração ainda deixam a desejar quando o assunto é inovação
Conselhos tendem a focar no passado, atividade essencial da boa governança corporativa, mas que ala muito pouco com as necessidades latentes das organizações do século XXI de olharem para o futuro e se adiantarem às mudanças disruptivas
O conselho de administração, tendo em vista seu papel de guardião da governança corporativa, é um ente chave para o crescimento saudável e longevidade das organizações. Não só de grandes empresas listadas na bolsa de valores, como também em empresas familiares e startups em busca da profissionalização perene de seus negócios.
Porém, quando se trata do tema inovação, a maioria dos conselhos deixa a desejar. O foco principal é olhar para o passado: analisar e aprovar indicadores e demonstrativos financeiros que explicam o que aconteceu no mês, semestre ou mesmo ano anterior.
Sem dúvida essa é uma atividade essencial da boa governança corporativa, mas fala muito pouco com as necessidades latentes das organizações do século XXI de olharem para o futuro e se adiantarem às mudanças disruptivas, que acontecem cada vez mais rápido e com maior frequência.
Neste contexto, acreditamos que para atender à demanda por inovação em suas organizações, os conselhos de administração devem evoluir em três aspectos: Visão Estratégica, Gente e Gestão.
1. Visão Estratégica
O conselho deve protagonizar junto ao CEO e demais altos executivos da empresa o processo de definição das estratégias para evolução do negócio. Ou seja, ao invés de ser o “retrovisor” (aquele que só olha para o passado), o conselho deve ser o “GPS” da organização (aquele que ajuda a definir os caminhos futuros).
Desta forma, é muito importante contar com conselheiros que aportem conhecimento e networking em áreas nas quais a empresa possa se desenvolver e que estejam conectados com as mudanças de mercado no Brasil e no mundo.
Por exemplo, é muito útil para uma empresa de varejo contar com um conselheiro com vivência nas áreas de marketing digital e e-commerce, que estão transformando de forma disruptiva os processos de vendas neste segmento. Além da experiência do conselheiro, pode-se usar sua rede de contatos para benchmarking. Aprender com quem já fez custa menos e costuma ser mais efetivo do que contratar consultorias ou pesquisas de mercado.
2. Gente
Uma visão estratégica robusta de nada servirá se não houver pessoas boas e engajadas para executá-la. Ou seja, uma estratégia boa sem as pessoas certas tende a não sair do papel. Já pessoas certas aprimoram ou mesmo alteram uma estratégia que não esteja sendo bem sucedida.
Neste contexto, é fundamental que o conselho auxilie a empresa no desenho de sua estrutura organizacional alinhada à visão estratégica, e que esta estrutura seja preenchida e perenizada através de um processo efetivo de atração, desenvolvimento e retenção de talentos.
Talentos são pessoas certas nos lugares certos, com a cultura e competências técnicas adequadas. Muitas das inovações inclusive são pensadas e desenvolvidas por talentos em níveis hierárquicos mais baixos (como no chão de fábrica ou dentro das lojas da empresa), e mesmo fora de uma área ou processo formal de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).
É fundamental que o conselho patrocine fortemente esse processo de gestão de talentos e crie incentivos para a inovação. Em empresas reconhecidas pelo alto grau de inovação, é comum que o conselho seja um dos principais avalistas da meritocracia, inclusive participando do processo de avaliação de desempenho e sucessão, acompanhando diretamente a carreira de pessoas de altíssimo potencial.
3. Gestão
O modelo de gestão representa a liga entre a visão estratégica e as pessoas que a executam. A partir do mesmo, são definidos os indicadores e metas de cada pessoa visando entregar as estratégias desenhadas, e é definida a dinâmica de medição e acompanhamento dos resultados e tomada de decisão em cima dos mesmos.
A definição dos indicadores e metas que compõem o modelo de gestão depende de cada empresa, devendo ser desenhados a partir da visão estratégica. Acreditamos, porém, em três blocos básicos que podem ser aplicado a qualquer empresa: Lucratividade, Geração de Caixa e Longevidade (que pode ser medida por indicadores como força da marca, satisfação de funcionários e efetividade de projetos estratégicos, dentre outros).
Enquanto os dois primeiros blocos se referem à entrega de resultados financeiros no curto prazo, o terceiro bloco pode estar diretamente associado à inovação, tendo em vista que esta muitas vezes reduz a lucratividade e caixa no curto prazo (tendo em vista que é um investimento), mas garante o crescimento saudável e perenização do negócio.
Cabe ao conselho balancear esses três blocos nas metas dos executivos, vis a vis a máxima “diga-me como sou medido que lhe digo como trabalho”. Caso os incentivos, como bônus e promoções, estejam vinculados única e exclusivamente a metas de lucratividade e caixa, corre-se o sério risco de estimular ações que coloquem em risco a longevidade da empresa.
Eduardo Saggioro é mestre em Engenharia de Gestão pelo Politécnico de Turim na Itália, e um dos sócios fundadores da consultoria Visagio.
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